segunda-feira, 22 de março de 2010

Yasmim, seu irmãozinho, eu e o Soldadinho de chumbo

Era fim do expediente de trabalho. Observo um pequeno calendário que está por sobre o balcão da concessionária de motos onde trabalho. Distraidamente, o apanho e começo a ler os dizeres que se encontram em cada página. Os escritos do calendário eram de tons de conscientização sobre ecologia, preconceito, cidadania, economia, etc. Interessei-me. Numa das páginas, estava lá: “use transportes públicos, conheça pessoas”. Pensei — ”maravilha!”. O motivo do meu contentamento era porque sempre fui favorável à utilização sadia dos transportes públicos: trens, metrôs, ônibus, etc. Pois fatalmente sempre acabamos por conhecer pessoas novas — agradáveis ou não. Quanto à qualidade de tais transportes, deixemos pra lá...
Exausto, despeço-me do pessoal da empresa, iniciando seguidamente o meu itinerário até o ponto de ônibus. No ponto, fito um pipoqueiro suado carregando um saco enorme de pipocas. O rosto abatido pelo cansaço e o olhar sem expressão denunciavam a fadiga que o envolvia ferozmente. Porém, ele ainda caminhava oferecendo pipocas para todas as pessoas que encontrava no ponto. Devido às muitas negativas que obteve, ele já estava desistindo de oferecer aqueles saquinhos. Fui ao encontro dele e perguntei o seu nome. “Leônidas” — respondeu prontamente, franzindo a testa e sorrindo com ar interrogativo.
— Dá-me dois saquinhos, por favor.
— É pra já — respondeu abrindo o grande pacote apressadamente.
Peguei as pipocas e agradeci pagando-lhe com uma moeda de 1 real. O pipoqueiro saiu acariciando a moeda que recebera pela parva venda dos saquinhos. Sei lá, presumo que tem algo de poético nestes simplórios vendedores ambulantes. Comprazo-me tanto quando encontro um deles...
Saboreio as pipocas uma de cada vez, sem me importar com a demora da chegado do ônibus. Algumas pessoas, no meu lado, bufavam qual um estouro de trovões, mal conseguia disfarçar a irritação da espera.
Chegara o ônibus. Entro e passo para trás depois de pagar a passagem. Decido-me sentar no assoalho, nos degraus perto da porta. Gosto de sentar no chão ou escadas; dão-me a despreocupação dum vadio. Nestes locais, “fico eu lá sozinho — eu e minha liberdade” (como dizia Clarice Lispector em seu livro Águas Vivas). Com a partida, enfim, do bus, algumas pipoquinhas pulam do saco. Por instinto, tento apanhá-las levando as mãos ao meu peito, não tive êxito. “Caramba, que malandras!”— murmuro, derrotado. Bom, havia outras dentro do saquinho esperando a vez delas de tornarem-se eu — assimilação metabólica natural.
Tranqüilamente, balbucio Three Little Birds, uma cancãozinha do Bob Marley interpretada por Gilberto Gil. Conforme cantarolo a música, os dedos involuntariamente tocam meus joelhos batendo e marcando o tempo do compasso invisível. “Don´t worry about a thing..” continuo a cantar pianíssimo a letra numa melodia em tom Mi maior. Gostaria mesmo era de assoviá-la, não sei assoviar...! Sem me dá conta, duas criancinhas sentam junto a mim também nos degraus, estavam acompanhadas da mãe. Esta trajava o uniforme dos Correios — era carteira.
Iniciamos, os três, uma investigação silenciosa através de olhares desconfiados. Uma das crianças era uma garotinha com cabelos castanhos e rosto rosado. A outra, um garotinho de cabelos também castanhos, porém espetadinhos, seu rosto era levemente adornado com algumas sardas abaixo dos olhos. Ambos vestiam-se iguais com um uniforme escolar verde e branco. A camiseta do menino estava suja de algum tipo de molho. Tácitos, seus rostos congelaram no meu. Flagrei seus olhos redondos direcionando-se para minha bolsa, curiosos talvez em saber o que eu carregava dentro dela. Objetos triviais: livro, caderninho de anotações, chaves, marmita vazia, além de vales transportes e refeições. Ah... e mais um saquinho de pipocas.
Depois de perguntar seus nomes, só tive a resposta da garotinha.
— Yasmim — respondeu-me num misto de acabrunhamento e ternura. O garoto apenas sorriu envergonhado e se escondeu atrás da irmã. Contudo, aos poucos foi saindo do seu ‘esconderijo’ que não era secreto para mim.
Iniciara contra mim um bombardeio inquisidor de perguntas. Respondia-lhes cutucando-os com o meu dedo indicador em suas barrigas — riam aos montes tentando desvencilharem-se do meu inquieto dedo fazedor de cócegas. Neste instante lembrei-me de Mario Quintana que escreveu que “...quando fazemos cócegas num umbigo de uma criancinha falecida, suas alminhas caem na risada lá no céu”. Todavia, há uma diferença nas criancinhas que faço cócegas: elas ainda estão bem vivinhas e sapecas.
A mãe testemunha a nossa pequena baguncinha improvisada, soltando, vez ou outra, algumas admoestações aos infantes: “Psssiu... comportem-se os dois, viu?!” — falava na tentativa de tomar o controle da situação. Não conseguia.
Observo fixamente Yasmim, pois esta me convidara a ver o seu livro de histórias infantis (histórias com ‘H’ mesmo, pois as crianças tem o universo de fantasias como real mesmo). O entusiasmo era o sentimento que a acompanhava com ‘ternura e vigor’, pois o encanto som as primeiras palavras a embevecia: já que estava aprendendo a ler na escolinha. Mostrou-me as historietas página por página do livro, colocando o seu dedinho sobre cada uma. Já seu irmãozinho gostava mesmo era das figuras. Deliciava-se com elas.
Branca de Neve e os Sete Anões, Joãozinho e Maria, Os Três Porquinhos, O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo, entre vários...Yasmim dissera a mim que já havia lido quase todas. Delicadamente fui pegando o livro das mãos dela. Então, perguntei:
— E este conto aqui, você já leu?
Ela sacudiu a cabeça negando.
— É a fábula do Soldadinho de Chumbo e a Bailarina.
Esticando o pescocinho, ela focou o olhar firmemente na bailarina: congelou-se extasiada em tal gravura. Seu irmãozinho, nestas alturas, já encontrava-se escorado com a cabeça em meu braço, quase debruçando-se em mim.
— Vou ler quando chegar em casa — prometeu-me ela. Puxa, é uma história grande, moço! (Observou em seguida, meio desencorajada).
Todavia, animei-a lê-la, mesmo sendo grande tal história. Também, sorrateiramente, fi-la prometer que leria O Patinho Feio (bem, sou fã de Christian Andersen, deu pra notar, né?!..rsrs).
E a viagem seguia, entre umas cócegas aqui e outras acolá, o som das risadas despertava a curiosidade e também o sono de alguns passageiros. Além de alguns imperativos da mãe pedindo-lhes que comportassem — em vão. O papo orbitava agradavelmente em torno daquele livro mágico! O garotinho, por vezes, indagava-me se eu sabia jogar vídeo game. Em seguida, ‘atacava-me’ disparando um monte de nomes em inglês de jogos... Sentia-me completamente perdido...rsrs.

“...os soldadinhos de chumbo, fechados na caixa, golpeavam a tampa para sair e participar da festa, mas continuavam prisioneiros. Mas o soldadinho de uma perna só e a bailarina não saíram do lugar em que haviam sido colocados.
Ele não conseguia parar de olhar aquela maravilhosa criatura. Queria ao menos tentar conhecê-la, para ficarem amigos (...)
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente. No dia seguinte, a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor. Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.”

E as nossas viagens prosseguiam... No ônibus e no imaginário de nossos três corações: o meu, o da Yasmim e o do seu maninho.

“...encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor...”

Paz e bem...

8 comentários:

  1. Olá, passo para retribuir a visita e agradecer pelo post tao significativo... gostei do coração de "chumbo", só assim a gente é fiel em todas as adversidades para sempre...
    Abraços

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  2. Alô, Wil!

    Rapaz, muito obrigado pelas palavras... realmente acertou no dia, espero que volte outras vezes...

    Estou me familiarizando com o seu blog, ainda não li os textos, mas sei que tem coisa muito boa! Prometo voltar com calma!

    Beijão!
    Jr.

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  3. Eita.. vens mexendo comigo, amigão.
    Leio cada post como se fosse a leitura de um livro sagrado: reverência e emoção encontram-se em meu coração, no anseio de ver em mim as palavras lidas pelos meus míopes olhos.
    Abraço

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  4. Olá, hoje, passo pra desejar uma Feliz e abençoada Páscoa pra vc e seus familiares
    Abraços Pascais

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  5. Olá, Wil
    Tenha uma SURPREENDENTE E MARAVILHOSA primavera!!!
    Excelente fim de semana!!!
    Hoje ofereci a VOCÊ uma música especial... por ser meu seguidor.
    Abraços fraternais

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  6. CONVITE VIP
    Olá, Wil
    Passa hoje em meu Blog... dia 01/10... e não teremos hora para acabar a festividade...
    Oferecei um coquetel de 7 botões de rosa orvalhada...
    Não falte, vai me fazer MUITO feliz e desejo fazer-lhe também.
    Abraços fraternais

    http://espiritual-idade.blogspot.com/

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  7. Olá,
    Dê uma olhada no meu post de anteontem (Domingo), por gentileza:
    Estou fazendo uma semana de reflexões com textos sobre o silêncio, acompanha,tá?
    Saudações com votos de paz e alegria no início da nova semana.
    Bjs fraternos

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  8. Olá,
    Hoje, Domingo, está postado o meu cartão virtual para você que me acompanha com tanto carinho e amizade nesse ano de 2010...
    Obrigado pela amizade e que Deus recompense seu incentivo ao meu Blog!!!
    BOAS FESTAS!!!
    Abraços e bjs festivos
    Roselia

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