segunda-feira, 22 de março de 2010

Yasmim, seu irmãozinho, eu e o Soldadinho de chumbo

Era fim do expediente de trabalho. Observo um pequeno calendário que está por sobre o balcão da concessionária de motos onde trabalho. Distraidamente, o apanho e começo a ler os dizeres que se encontram em cada página. Os escritos do calendário eram de tons de conscientização sobre ecologia, preconceito, cidadania, economia, etc. Interessei-me. Numa das páginas, estava lá: “use transportes públicos, conheça pessoas”. Pensei — ”maravilha!”. O motivo do meu contentamento era porque sempre fui favorável à utilização sadia dos transportes públicos: trens, metrôs, ônibus, etc. Pois fatalmente sempre acabamos por conhecer pessoas novas — agradáveis ou não. Quanto à qualidade de tais transportes, deixemos pra lá...
Exausto, despeço-me do pessoal da empresa, iniciando seguidamente o meu itinerário até o ponto de ônibus. No ponto, fito um pipoqueiro suado carregando um saco enorme de pipocas. O rosto abatido pelo cansaço e o olhar sem expressão denunciavam a fadiga que o envolvia ferozmente. Porém, ele ainda caminhava oferecendo pipocas para todas as pessoas que encontrava no ponto. Devido às muitas negativas que obteve, ele já estava desistindo de oferecer aqueles saquinhos. Fui ao encontro dele e perguntei o seu nome. “Leônidas” — respondeu prontamente, franzindo a testa e sorrindo com ar interrogativo.
— Dá-me dois saquinhos, por favor.
— É pra já — respondeu abrindo o grande pacote apressadamente.
Peguei as pipocas e agradeci pagando-lhe com uma moeda de 1 real. O pipoqueiro saiu acariciando a moeda que recebera pela parva venda dos saquinhos. Sei lá, presumo que tem algo de poético nestes simplórios vendedores ambulantes. Comprazo-me tanto quando encontro um deles...
Saboreio as pipocas uma de cada vez, sem me importar com a demora da chegado do ônibus. Algumas pessoas, no meu lado, bufavam qual um estouro de trovões, mal conseguia disfarçar a irritação da espera.
Chegara o ônibus. Entro e passo para trás depois de pagar a passagem. Decido-me sentar no assoalho, nos degraus perto da porta. Gosto de sentar no chão ou escadas; dão-me a despreocupação dum vadio. Nestes locais, “fico eu lá sozinho — eu e minha liberdade” (como dizia Clarice Lispector em seu livro Águas Vivas). Com a partida, enfim, do bus, algumas pipoquinhas pulam do saco. Por instinto, tento apanhá-las levando as mãos ao meu peito, não tive êxito. “Caramba, que malandras!”— murmuro, derrotado. Bom, havia outras dentro do saquinho esperando a vez delas de tornarem-se eu — assimilação metabólica natural.
Tranqüilamente, balbucio Three Little Birds, uma cancãozinha do Bob Marley interpretada por Gilberto Gil. Conforme cantarolo a música, os dedos involuntariamente tocam meus joelhos batendo e marcando o tempo do compasso invisível. “Don´t worry about a thing..” continuo a cantar pianíssimo a letra numa melodia em tom Mi maior. Gostaria mesmo era de assoviá-la, não sei assoviar...! Sem me dá conta, duas criancinhas sentam junto a mim também nos degraus, estavam acompanhadas da mãe. Esta trajava o uniforme dos Correios — era carteira.
Iniciamos, os três, uma investigação silenciosa através de olhares desconfiados. Uma das crianças era uma garotinha com cabelos castanhos e rosto rosado. A outra, um garotinho de cabelos também castanhos, porém espetadinhos, seu rosto era levemente adornado com algumas sardas abaixo dos olhos. Ambos vestiam-se iguais com um uniforme escolar verde e branco. A camiseta do menino estava suja de algum tipo de molho. Tácitos, seus rostos congelaram no meu. Flagrei seus olhos redondos direcionando-se para minha bolsa, curiosos talvez em saber o que eu carregava dentro dela. Objetos triviais: livro, caderninho de anotações, chaves, marmita vazia, além de vales transportes e refeições. Ah... e mais um saquinho de pipocas.
Depois de perguntar seus nomes, só tive a resposta da garotinha.
— Yasmim — respondeu-me num misto de acabrunhamento e ternura. O garoto apenas sorriu envergonhado e se escondeu atrás da irmã. Contudo, aos poucos foi saindo do seu ‘esconderijo’ que não era secreto para mim.
Iniciara contra mim um bombardeio inquisidor de perguntas. Respondia-lhes cutucando-os com o meu dedo indicador em suas barrigas — riam aos montes tentando desvencilharem-se do meu inquieto dedo fazedor de cócegas. Neste instante lembrei-me de Mario Quintana que escreveu que “...quando fazemos cócegas num umbigo de uma criancinha falecida, suas alminhas caem na risada lá no céu”. Todavia, há uma diferença nas criancinhas que faço cócegas: elas ainda estão bem vivinhas e sapecas.
A mãe testemunha a nossa pequena baguncinha improvisada, soltando, vez ou outra, algumas admoestações aos infantes: “Psssiu... comportem-se os dois, viu?!” — falava na tentativa de tomar o controle da situação. Não conseguia.
Observo fixamente Yasmim, pois esta me convidara a ver o seu livro de histórias infantis (histórias com ‘H’ mesmo, pois as crianças tem o universo de fantasias como real mesmo). O entusiasmo era o sentimento que a acompanhava com ‘ternura e vigor’, pois o encanto som as primeiras palavras a embevecia: já que estava aprendendo a ler na escolinha. Mostrou-me as historietas página por página do livro, colocando o seu dedinho sobre cada uma. Já seu irmãozinho gostava mesmo era das figuras. Deliciava-se com elas.
Branca de Neve e os Sete Anões, Joãozinho e Maria, Os Três Porquinhos, O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo, entre vários...Yasmim dissera a mim que já havia lido quase todas. Delicadamente fui pegando o livro das mãos dela. Então, perguntei:
— E este conto aqui, você já leu?
Ela sacudiu a cabeça negando.
— É a fábula do Soldadinho de Chumbo e a Bailarina.
Esticando o pescocinho, ela focou o olhar firmemente na bailarina: congelou-se extasiada em tal gravura. Seu irmãozinho, nestas alturas, já encontrava-se escorado com a cabeça em meu braço, quase debruçando-se em mim.
— Vou ler quando chegar em casa — prometeu-me ela. Puxa, é uma história grande, moço! (Observou em seguida, meio desencorajada).
Todavia, animei-a lê-la, mesmo sendo grande tal história. Também, sorrateiramente, fi-la prometer que leria O Patinho Feio (bem, sou fã de Christian Andersen, deu pra notar, né?!..rsrs).
E a viagem seguia, entre umas cócegas aqui e outras acolá, o som das risadas despertava a curiosidade e também o sono de alguns passageiros. Além de alguns imperativos da mãe pedindo-lhes que comportassem — em vão. O papo orbitava agradavelmente em torno daquele livro mágico! O garotinho, por vezes, indagava-me se eu sabia jogar vídeo game. Em seguida, ‘atacava-me’ disparando um monte de nomes em inglês de jogos... Sentia-me completamente perdido...rsrs.

“...os soldadinhos de chumbo, fechados na caixa, golpeavam a tampa para sair e participar da festa, mas continuavam prisioneiros. Mas o soldadinho de uma perna só e a bailarina não saíram do lugar em que haviam sido colocados.
Ele não conseguia parar de olhar aquela maravilhosa criatura. Queria ao menos tentar conhecê-la, para ficarem amigos (...)
Naquele momento, a porta escancarou-se com violência, e uma rajada de vento fez voar a bailarina de papel diretamente para a lareira, bem junto ao soldadinho. Bastou uma labareda e ela desapareceu. O soldadinho também se dissolveu completamente. No dia seguinte, a arrumadeira, ao limpar a lareira, encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor. Da pequena bailarina de papel só restou a minúscula pedra azul da tiara, que antes brilhava em seus longos cabelos negros.”

E as nossas viagens prosseguiam... No ônibus e no imaginário de nossos três corações: o meu, o da Yasmim e o do seu maninho.

“...encontrou no meio das cinzas um pequenino coração de chumbo: era tudo que restara do soldadinho, fiel até o último instante ao seu grande amor...”

Paz e bem...

Na minha terra, no meu jardim e uma única flor

Amo a vida que recebi, não é perfeita nem imperfeita: é exatamente a vida da qual eu consigo sonhar, sorrir, chorar e amar. Ela é o meu alforje onde carrego as pedrinhas do meu sentimentos, de forma carinhosa. A morte? Aprendi a respeitá-la, pois sei que “ela é séria” (como diz Machado de Assis em Dom Casmurro), por isso ela merece toda a minha seriedade e meu respeito.
Entretanto, algo me incomoda: os cemitérios das cidades.
Não gosto dos cemitérios hodiernos, causam-me calafrios. Não são quentes — aconchegantes, menos ainda.
Caminho pelas ruas das cidades e os cemitérios que vejo são tão sem vida (isto mesmo que você leu, sem vida e cheios de coroas de rosas secas e fedidas) que fazem-me entristecer. Desconfio que eles refletem um pouco a sociedade anêmica de sentimentos e afetividade da qual também eu sou parte.
Atualmente, a maioria das pessoas acha uma desonra não serem sepultadas em túmulos grandes, com acabamentos de concreto bem firme, bonito e à prova de larvas. Só de imaginar, estremece-me a alma quando penso que meu corpo um dia será sepultado num destes túmulos grandes, frios e cheios de concreto.
Livra-me, Deus, desta sorte!
Eu desejo mesmo é ter contato com a terra, quando morto. Fui um garoto que cresci com os pés nos chãos nas ruas barrentas da capital de São Paulo, onde o futebol era jogado de pés descalços no campo com os outros moleques — depois voltávamos todos sujos de terra para casa. Óbvio que aquela sujeira toda nos rendia alguns tapas e puxões de orelhas. Porém, estes não nos furtavam o prazer experimentado nos campos e nas ruas.
Aprecio os livros, entre eles a Bíblia. Livro do qual tenho veneração e respeito: um baú cultural religioso, poético, político, romântico, entre outros predicados.
Leio no livro dos Gênesis 2,7:
“O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente”.
Segundo este livro sagrado, fui criado do barro da terra.
Recordo-me da sepultura de minha mãe. E de todos parentes e amigos absortos pela emoção da ‘partida’ dela. Com o rosto áspero e pensativo, acompanho o cortejo funerário. Os sons de soluços de choros e burburinhos emotivos invadem minha audição: indiferente, apenas ouço. Após caminharmos uma certa distância, chegamos, enfim, à cova; o caixão é descido vagarosamente ao fundo do buraco, algumas tias (irmãs dela) berram inconformadas. Eu só observo, eu e meu sobrinho apegado na minha mão direita. Os rapazes coveiros iniciam a jogar pás de terra sobre o caixão, algumas flores arremessadas por alguns presentes caem simultaneamente, entrelaçando-se com a terra. Repentinamente, um de meus tios grita aos rapazes das pás que eles tinham que ter mais respeito, não deveriam jogar tanta terra daquele jeito. Observo, taciturno. Não compreendia aquele surto do meu tio. Sei lá, acho que aquele monte de terra jogado no caixão de minha mãe foi despertando um certo medo mudo em meu tio. Talvez o medo de saber que na realidade um dia estará lá, recebendo punhados de terras em pás também.
Desejo voltar à terra quando ‘partir’. Não almejo ficar trancafiado em paredes de concretos sabendo que jamais farei parte, através da inevitável decomposição, do solo sagrado onde vivi. Assim como gosto dos cantos dos melros em suas visitas no pé de acerolas no meu quintal a cada manhã, respeitarei — do mesmo modo — as larvas quando me visitarem em minha solidão sepulcral. Quero me perder no seio da mãe terra, nego-me rejeitá-la; pois dela fui gerado. Odeio os jazigos frios de concreto — amo a terra. Vivo ou morto sempre a amarei e respeitarei o seu encanto. Todos nós temos um pacto misterioso com ela.
Vêm-me à lembrança, no momento, dois belos filmes que assisti: As Pontes de Madison (Clint Eastwood e Meryl Streep) e Diamantes de Sangue (Leonardo DiCaprio e Jennifer Connelly). Em Pontes de Maddison, a mulher (Merill Streep) pede para os filhos que, quando morrer, seu corpo seja cremado e as cinzas atiradas na ponte onde ela havia conhecido o seu único e verdadeiro amor — desejo realizado. No filme Diamantes de Sangue, despertou-me a atenção quando a personagem (de Leonardo DiCaprio) estava prestes a morrer numa montanha após ser baleado por um disparo. Nos seus últimos suspiros, ele, carinhosamente, pega um punhado de terra na mão, levanta-o levemente e deixa-o cair na forma de uma pequena cachoeira. Sorria ele feliz por estar “partindo” em contato com a terra e solo do país em que nascera e amara: o Zimbábue.
Fogo, terra, ar ou água, anseio misturar-me nestes elementos da natureza em minha partida. È, no entanto, triste vir a falecer por causa de um desastre natural de um deles, são fatalidades não desejáveis. Contudo, acho sagrado e poético ir ao encontro deles depois que nos cessam todos os batimentos cardíacos e os sinais vitais. Há pessoas que se espantam com outras culturas, quando estas, em seus funerais, incineram seus entes queridos e depois depositam suas cinzas em jardins de suas residências ou sei lá em que local. Porém não se indignam ao presenciar sepultamentos em jazigos frios de concreto. Sendo que, numa simples cova, a funerária constrói infinitas gavetas (jazigos) minúsculas e apertadas: quanto mais cadáveres numa cova, mais lucro para agência funerária.
O livro O Pequeno Príncipe é um opúsculo especial escrito por Saint-Exupéry. Esta obra encanta gerações desde que foi publicada pela 1ª vez em 1943. No livro, é relatado que o garoto-príncipe vive em seu Asteróide B612 e que neste pequeno asteróide havia uma única “florzinha” da qual amava muito, e sofria só de pensar que algo de mal podesse acontecer com ela. Bom, o restante da obra creio que já sabemos. E, se ainda não leu, tá aí a dica...
Talvez o que muita gente não saiba é que o autor do livro era um aviador e que o asteroidezinho B612 representava a cidadezinha onde morou. E quando, a serviço, viajava de avião, ficava preocupado com sua esposa que amava tanto e que deixara sozinha. A esposa era a “florzinha” de quem ele muito fala no livro.

“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isto basta para fazê-lo feliz quando as contempla. Ele pensa: ‘Minha flor deve estar lá, em algum lugar...’”.

O que é certo e triste foi o fim que o autor do livro teve, sendo o seu avião abatido por um soldado alemão — jamais alguém soube onde caiu o avião e nem acharam o seu corpo.
Anelo pelo barro da terra. Numa sepultura de concreto não conseguiria sequer plantar uma flor. Do mesmo modo que muitos corações frios e sepultados de muitas pessoas de hoje não conseguem cultivar uma única pétala de esperança, poesia e alegria em suas vidas.
Quero descansar na terra, e que minha única “florzinha” do meu asteróide seja todas as pessoas que conheci e amei nesta minha vida.

“Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden... e colocou nele o homem que havia criado”. Gênesis 2,8

Eu, meu jardim e minha única flor... na terra, por favor!!!

Flores únicas a todos... bye!



sábado, 13 de março de 2010

O desejo terrível da alma em querer ser sempre feliz

Gostaria um dia poder escrever coisas bem bonitas, daquelas que fazem as pessoas suspirarem extasiadas esquecendo-se momentaneamente de si. Sim, escrever pequenos poemas que levassem todos ao acanhamento e à timidez, pois cada verso de tais poemas seria um cortejo de amor. As pessoas que o lessem teriam o mesmo acanhamento e timidez qual uma garotinha tem ao perceber que está sendo fitada por um garoto embriagado de paixão.
Se acaso, a garotinha tiver a brancura de uma neve, as maçãs de seu rosto tornar-se-ão rubras e rosadas. Se porventura, for negra qual uma pérola, sei que o seu sorriso esconder-se-á por detrás das palmas das mãos, e seu caminhar será levemente vacilante e curval.
Pena...! Não consigo criar sequer um versinho bonito, nem sorrir bonito, sequer olhar bonito. Por vezes, parece-me que a beleza se rebela contra mim, abandonando minhas expressões, tornando-as opacas; enfim — perdoem-me a obviedade — inexpressivas.
Revelarei a vocês o motivo de não conseguir escrever coisas bonitas. Todavia sejam compreensivos. Se forem ri, o faça baixinho — não gostaria que outras pessoas soubessem, tá bem?
Psiu...! Preste atenção...! Minh´alma, por vezes, debilita-se. Só e abandonada, ela carrega o ‘peso-terrível-do-desejo-de-eternidade’. Vá lá saber o que significa eternidade. Muitos, creio, a perseguem; todavia ninguém jamais foi eterno. O meu corpo? Ah... este coitado até que tenta encorajar a minha alma a não desistir da busca da eternidade (ou felicidade eterna como queiram)— contudo ele mesmo é tão frágil e delicado que gradativamente vai se curvando diante o passar do Tempo. Aliás, o tempo jamais passa: ele é sempre. Nós que passamos.
Por falar em Tempo. O tenho como um grande vilão. Por quê...? Porque desconfio que ele saiba do nosso desejo de felicidade eterna (ou de querer ser eterno), por isso não cessa de nos enganar. Isto mesmo! O Tempo é um bom ilusionista, sabe?! Nos iludi fazendo-nos acreditar que podemos ser eternos ou possuir a eternidade, em contrapartida ele vai colocando sutilmente em nossas costas uma carga de morte lenta e gradativa chamada velhice. Santo Agostinho (séc IV, de Tagaste-África), diz em seus escritos que a morte (também o envelhecimento) é uma doença que contraímos logo ao nascer. Pois é, só começamos a aceitar este fato quando vemos os nossos parentes ou amigos(as) próximos partirem. E em nós ficam aquele sentimento vazio e um friozinho na barriga, acompanhados com uma pergunta muda no interior do espírito: “quando chegará a nossa vez?”. O friozinho na espinha e a bruta sensação de limitação e fragilidade nos trazem à dimensão da realidade — somos transitórios. Envelhecemos até um dia não poder mais...
Minh´alma, debilitada, continua com o peso-terrível-do-desejo-de-eternidade. Será q um dia ela será saciada? Não sei... Quase todas religiões afirmam que sim, no entanto nenhuma religião tem alma como nós. Perdoem a heresia, presumo que inclusive as religiões têm fome e desejo. E para saciarem esta fome, nutrem-se de nossas esperanças, orações, penitências, lágrimas, pecados, tristezas, etc... Se não se alimentarem destas expressões da pessoa religiosa ficam anêmicas...
Citei Pecado? Bom, Rubem Alves escreveu certa vez que a religião assemelha-se ao pião girando sobre sua ponta que é o ‘pecado’. Rubem Alves é meio bonachão e bufão assim mesmo. Adoro o seu jeito “irresponsável” de escrever coisas sérias.
Nego-me a falar do Pecado, não quero receber “a primeira pedrada”..rssr. Destarte falarei da Tristeza. Hoje a aprecio, não a entendia bem até fazer as pazes com ela em 2008 ao ouvir uma canção de Baden Powell e Vinícius de Moraes: a música chama-se ‘Samba da Bênção’ (por sinal, belíssima,). Eles compuseram, na letra da canção, que a Tristeza traz em si sempre uma Esperança”. Qual esperança...? A esperança de um dia não ser mais triste não”.
Hoje, quando a ‘tristeza’ vem ao meu encontro, paro e dialogo com ela: passeamos, pacientemente, de mãos dadas sobre as campinas da minha alma. Não a expulso e nem me faço irresoluto em escutá-la: a ouço. Depois dou toda a lágrima que ela me pede, sem taxá-la de egoísta. Ao nos despedir, desejo a ela que vá em paz e que estarei prontamente esperando quando ela voltar. A tristeza gosta de vagabundear: uma andarilha nata. Não gosta de ficar cativa muito tempo em pessoas que ficam lamentando toda vida sobre seus ombros. Adora perambular de bar em bar, melhor: de alma em alma.
Enfim, voltando. O que será este peso-terrível-do-desejo-de-eternidade que todos possuímos na alma? Vem-me uma leve imagem à cabeça que ajuda a traduzir o que talvez seja. Tentarei expô-la.
Gosto da noite quando chego do trabalho, tomo um banho reconfortante e em seguida, janto. Após colocar uma boa música, a escuto com um sorriso prazeroso nas pontas dos lábios — cantarolo junto. Deitado em minha cama com os braços cruzados entre a nuca e o travesseiro, os meus olhos vagabundeiam cansados fitando o teto. Miro a lâmpada no alto que é forte, e o seu clarão sempre atrai algumas mosquetas — sempre atrai...! E lá vão elas...! Ignoro qual o prazer que aquelas moscas encontram ao ir de encontro à lâmpada quente. Apenas testemunho seus fins tétricos: morrem queimadas sempre que tocam tal lâmpada.
Por fim, tenho que a ‘felicidade eterna’ — que atrai vigorosamente as almas — seja semelhante tal lâmpada. Sua luz nos cega em desejo de buscá-la, e fazendo isto nos queimamos aos poucos, até morrer sem ser feliz plenamente. Epicuro (filósofo do séc. IV a.C) sentencia afirmando “que todos querem ser felizes, no entanto ninguém sabe ao certo qual o objeto da sua felicidade que procura”.
“Minha alma está inquieta, enquanto não repousa em ti, ó felicidade eterna” (cf. Santo Agostinho).

Pão e Rosas a todos!!!

segunda-feira, 8 de março de 2010

O beijo

Cá pra nós, esta história de ‘primeiro beijo’ realmente provoca a nossa atenção, mesmo que isto tenha ocorrido há muitos e muitos anos (risos). Contudo, é só escutarmos uma turminha debatendo e partilhando sobre o assunto que, como um passe de mágica, acabamos por viajar no tempo até aquele dia fatídico. Comigo não foi diferente.
O Uruguai nos presenteou com um escritor fabuloso chamado Eduardo Galeano (ainda está vivo, graças aos deuses). Possuo duas obras dele. Numa delas, chamada O Livro dos Abraços, escreve o hermano uruguaio: “somos todos mortais até o primeiro beijo e o segundo copo...” Não sei o porquê deste trecho chamar tanto a minha atenção. Talvez porque seja um fato que um(a) adolescente, ao dar o seu primeiro beijo, torna-se um abobalhado, fica dias pensando naquilo; caminha sobre as nuvens... Parece que a sua mortalidade se foi, sente-se imortal, dá a entender também que descobre o infinito que estava escondido no profundo da sua ingênua alminha. Em suma, fica inquieto enquanto não provar daquele toque labial novamente.
Bom, nestes dias, ao passar próximo de uma turma de garotos duma escola aqui perto de onde trabalho, escutei que eles falavam da experiência dos seus primeiros beijos. Os moleques tinham cabelos estranhos, “lambidos” pra baixo e colados no rosto. Outros possuíam bonés tão grandes que cabia dentro deles toda aquela gargalhada que soltavam depois de escutar o relato de um dos colegas.
Assim, não deu outra! O assunto do ‘primeiro beijo’ deles levou-me a recordar também do meu primeiro contato labial (a violação do lacre bucal..rsrs). Contudo, com uma diferença entre mim e eles: neles estavam cravados em suas memórias, detalhadamente, os nomes e como era a face das suas meninas. Enquanto a mim, por mais que me esforçasse, não conseguia trazer à minha lembrança o rosto e nem o nome da garota do meu primeiro beijo. “Mas que puxa...!” (para usar uma expressão do Charlie Brown, do Snoopy). A curiosidade, sorrateiramente, foi roubando em mim a calma onde dormia a minha alma, provocando-me a incômoda sensação que parecia que eu não tive esta experiência. “Mas que puxa...!”
Não me contive, iniciei uma epopéia interior particular tentando juntar todos os fatos que me vinham à memória, dos quais levaram-me ao primeiro beijo. A recordação desses fatos agradou-me pouco ou quase nada, pois não consegui mesmo lembrar-me do nome ou do rosto da menina.
Bom, então, vá lá!
Era uma noite como uma outra qualquer. A não ser que nesta, em especial, aconteceria a despedida de solteiro de um primo meu. Nunca participara de uma despedida de solteiro (seria a primeira e ainda está sendo a última). Esta ‘despedida’ tinha a sua peculiaridade, pois o meu primo fazia parte da congregação das Testemunhas de Jeová. “Valei-me, Deus! Como será uma ‘despedida de solteiro’ de um Testemunha de Jeová?”: indagava-me comigo mesmo. A dúvida e a curiosidade corroíam-me aos extremos (rsrs). Pronto, era fácil de se deduzir: a despedida de solteiro do meu “primo testemunha” não teria nada das coisas que já sabemos o que tem numa tradicional ‘despedida’ (rsrs) .Não teria bebida, homem vestido de mulher, e outras coisas mais ‘pesadas’ que não escreverei, pois estou certo que suas imaginações já alcançaram estas ‘coisas’ que me abstive de escrever aqui (srsr).
Prossigamos.
Não sei dizer de que modo conseguiram infiltrar tantas bebidas naquela festa, ainda mais por ser uma festa de um ‘testemunha de Jeová’. “Mas já que elas apareceram, aproveitaremos pra fazer algo com elas”; dizia a maioria dos meus primos, triunfantes e cheios de “nobres” intenções (rssr). Inventaram uma tal brincadeira chamada ‘pergunta e responda’, e quem não conseguisse responder a charada proposta teria como ‘castigo’ que tomar meia garrafa de uma mistura fortíssima de bebidas alcoólicas.
A sorte definitivamente não era minha companheira naquela noite. Em assunto de bebida, eu era um calouro. No entanto, fui justamente o primeiro a sofrer o castigo. Depois de tomar aquela meia garrafa de forte bebida, passaram-se somente 2 minutos para uma chuva de gargalhadas dos meus primos anunciarem pra mim que eu estava “bebinho”; saí rapidamente dali, fui pra casa cambaleando deitar. Na cama, a cabeça girava numa velocidade monstruosa. Adormeci.
Após 5 horas acordei, era zero hora e alguns minutos. Ainda estava bêbado. Resolvi voltar à casa do meu primo, lá havia alguns jogados pela sala, outros no chão e sofás, bêbados também (risos). Meu irmão, que apareceu não sei de onde, viu-me; ria de mim copiosamente. Seus dentes brilhavam mais dos que as estatuetas de prêmio do Oscar dadas ao pessoal de Hollywood. Seu riso me chateava um pouco, resolvi ir pra rua. A noite era quente e de verão. Então, na rua, se via várias pessoas conversando em frente os portões.
Na calçada do meu primo testemunha de Jeová, um grupo de meninas travava conversas. As risadas ouviam-se a quilômetros. Passei pro outro lado da rua (estava tonto ainda), juntei-me aos garotos. Alguns, do mesmo modo, estavam tontos (efeito da bebida); outros, não. O assunto daquela roda de garotos variava entre futebol, escola, desenhos animados e sei lá mais o que... Eu não conseguia acompanhar o papo, a cabeça continuava girando: só ria fortemente, fingindo compreender toda a conversa (rsrsr). Para minha surpresa, subitamente, uma das garotas sai do outro lado da calçada do grupinho das meninas e vem em minha direção. O silêncio toma conta dos meus amigos, calei-me também. Os burburinhos que se ouvia assemelhava-se aos de um velório, os olhares deles não permitiam um piscar de pálpebras. Suspense total.
Então, a menina se aproxima de mim e, ao meu ouvido, diz pianíssimo: “a minha amiga deseja te conhecer melhor”. Depois, levanta o indicador mostrando-me quem era. Surpreendi-me, pois eu não chegava nem perto de ser o garoto mais belo dos rapazes. Sem modéstia alguma, era um dos últimos na hierarquia da beleza (rssr). Eu tremia, enquanto o frio na barriga congelava minhas tripas. “Hei, o que respondo a ela?” — perguntou-me após alguns segundos a menina. Respondi, trêmulo: “por mim...? Tudo bem”.
Não lembro como eu e a menina interessada nos destacamos dos(as) nossos(as) amigos(as). Recordo-me somente dos assovios e gozações vindo dos moleques enquanto caminhávamos; isto tudo pq a menina que queria “me conhecer melhor” não era tão agraciada com o dom da beleza e era a mais gorda das garotas ali. Francamente, eu nem ligava tanto pra esta questão. Contudo, o constrangimento causado pelas gozações dos meus amigos quase fez-me hesitar. Prossegui caminhando ao lado dela. As pernas eram frágeis pela vergonha. Ficamos a sós.
Ao parar em frente a um seminário protestante luterano que havia no bairro, ficamos fitando-nos. Eu nem sabia o que conversar (e a embriagues não me ajudava também a iniciar uma boa conversa). (rsrs) Então, ela disparou a falar sobre diversas coisas. Não compreendia nada, só sabia que não tinha nada a haver com beijo ou paquera. Cada assunto maluco ela falava...!
Chris Rock (humorista e ator americano), disse numa apresentação que o primeiro beijo normalmente vem quando menos se espera, e quando a conversa gira em torno de temas inusitados “sem pé nem cabeça”. Comigo não foi diferente.
Bom, depois de discorrer em todos os assuntos que nem lembro, por fim, a menina me disse: “Wilson, gostaria de te dar um beijo”. Tremi, a embriagues repentinamente abandonou-me. A salivas desciam dentro da minha garganta em formas de bolinha de tênis. Foi quando respondi envergonhado: “não sei beijar”. Ela riu, pois não cria em mim, achava que eu era perito no assunto. Puro engano! As cores se divertiam em meu rosto, devido a forte vergonha que sentia: um verdadeiro arco-íris facial.
Seus braços, curtos e volumosos, curvaram-se sobre minha nuca, agarrando-me e forçando-me delicadamente em direção ao rosto dela. O meu peito era uma bateria ‘nota dez’ da Vai-vai, só que batia atrapalhadamente e fora do compasso. Clamava a minha embriagues para me auxiliar — sei lá... fazer-me desmaiar ou cair de tontura — porém, nada. E os rostos se aproximavam, lentamente, até que... Beijamo-nos.
Não lembro o que senti, creio que nada. Ficamos juntos alguns momentos, beijamo-nos um pouco mais, um pouquinho mais... Após cada beijo, seguia-se um silêncio sepulcral. Concluímos nosso encontro com um forte abraço e afagos, voltando depois aos amigos(as). Os meus, gozavam-me gritando em meu ouvido: “como você teve coragem?”, “não acredito!” “vai dar casamento com a gordinha, hein”. As amigas dela, não sei.
Não me incomodei. Mesmo sem ter sentido nada de extraordinário, achava-me o máximo, sentia-me soberbo. Os rapazes não sabiam que era o meu primeiro beijo; meu irmão suspeitava, por isso era o mais comedido nas gargalhadas. Olhava pra mim com um certo semblante orgulhoso, como que dizendo: “este é o meu maninho!”.
A menina? Bem, durante algum tempo mandava-me recados pelas amigas manifestando o desejo de namorar comigo. Enviava-me também cartas cheias de poeminhas e versinhos, assinadas com beijos cheios de batom no fim da folha (as meninas tinham este costume naquele tempo. Vai entender...?!), sem sucesso.
E eu? Sentia-me imortal; perdi enfim, a minha mortalidade. Hoje, sinceramente não me lembro do nome e do rosto da garota: a embriagues talvez, creio eu, turvou-me de guardá-los na memória.
Droga de bebida!!!
Como iniciei citando Eduardo Galeano, concluo com ele que também escreveu no Livro dos Abraços: “bem aventurados os bêbados, eles verão a Deus duas vezes”.

Abraços e desejos de paz.
Até a próxima!!!

quarta-feira, 3 de março de 2010

O que seria de nós sem o auxílio das coisas que não exixtem...?


“O que seria de nós sem o auxílio das coisas que não existem”, dizia Paul Valèry, pensador e poeta francês (1871/1945). Que mundo doidão este em que vivemos, presenciamos cada fato engraçado que até acaba ‘salvando’ o nosso dia estressante de trabalho e canseira.
Bom, era uma segunda-feira “braba” como qualquer outra, fazia um calor danado aqui em Campinas. Em plenas 18 horas e alguns minutos da noite, as pessoas cozinhavam naquela temperatura. Não agüentei o calor, parei numa lanchonete para tomar uma Coca geladinha pra refrescar. Olha, que qualquer coisa gelada eu tomaria naquele instante: cerveja gelada, pinga gelada...kkk; o calor de verão estava castigando o povão mesmo...
A Coca-cola (não gosto da política desta empresa) ajudou-me a esquecer um pouquinho o mau humor que me acompanhava..rsrs. Após várias goladas, caminhava ‘distraídão’ em direção ao ponto de ônibus, foi quando ouvi um bêbado cantando uma canção bem junto ao ouvido de uma mulher que estava aguardando um bus também. Nossa, ele cantava alto mesmo! E era super engraçado o bêbado, pois fazia toda a pose de cantor de ópera: estufava o peito, fechava os olhos e mandava ver na interpretação. Na mulher, se via uma mistura de chateação e risos, que ela deixava escapar pelas pontas dos lábios.. A cena era cômica demais, o bêbado direcionava os dois braços a ela como que convidando para cantar tb. Ela se mostrava sem jeito, constrangida, pois todos olhavam para eles. Inclusive eu, claro.
O ébrio cantava com toda a força que tinha naquele pulmão negro a canção What a Wonderful World, de Louis Armstrong. É fato que não saía nada de inglês por aquela garganta grossa, todavia deu para identificar a canção. Isto era o que importava para o cantante bêbado e morador de rua. Eu ria muito daquela cena que via na rua. Então lembrei da frase de Paul Valèry, título deste post. Pensei comigo: “este mundo maravilhoso q ele canta não existe pra ele”. Certamente a vida daquele negro maltrapilho era um fardo pesadíssimo, dado os desafios cotidianos que enfrentava.
O que seria dele se ‘aquele mundo maravilhoso’ (que não era real na vida dele) não estivesse em sua imaginação? Ou aquela canção belíssima de Louis Armstrong? Sei não... a vida seria mais difícil certamente ao mísero negro.
Resumindo, dentro da lotação, voltando pra casa, não parava de rir sozinho, as pessoas olhavam de “canto de olho” balançando suas cabeças, achavam-me maluco, creio.
Vinha-me sempre à memória a imagem daquele ‘tenor’ da rua que, ao terminar a interpretação da canção, se inclinava esperando os aplausos dos transeuntes, estes só riam. A mulher? Bom, esta continuou lá, meio constrangida e parada com ‘cara de paisagem’...rsrs
Com tudo isto, outra recordação pulou na minha cabeça.
Lembro-me de quando eu era pequeno e morava no bairro do Jabaquara, Zona Sul de São Paulo. Perto de casa, era onde terminavam as linhas dos metrôs, e logo eles seguiam para a garagem. De cima de um morro, dava pra ver aquele monte de metrô enfileirados na garagem. Em contarpartida, um monte de crianças (inclusive eu) ficavam em cima de um morro observando e esperando chegar as 18 horas para invadir a garagem e caminhar por entre os metrôs; se esconder, subir em cima, etc... Claro q, depois de algum tempo brincando, aparecia o segurança e botava a molecada pra correr. Chegando em casa, nossas mães nos aguardavam com chinelo ou cinto nas mãos. Depois de um tempo brevíssimo, só se ouvia na vizinhança uma sinfonia de gritaria e choradeira...rsrsr Era cada chinelada e cintada...! Com tudo isso, queria só dizer q aqueles metrôs para mim eram grandes “minhocões” na minha imaginação, ficava pensando em viajar em cima deles e eles, por sua vez, deslizando pelo chão. Outra coisa, naquele tempo, por ser criança, não sabia que existiam trilhos embaixo dos metrôs e trens. Eu cria q eles se locomoviam pelas sarjetas das calçadas, tanto q tinha medo de sair da calçada e ir para rua. E quando era pra eu sair, pulava a sarjeta com medo que algum “minhocão” (metrô) me atropelasse. Meus tios e amigos riam de mim aos montes...rrsr
Estas coisas nunca existiram, eram pura imaginação minha. Contudo, era divertido, auxiliavam-me demais nas minhas fantasias de criança.
Atualmente, neste mundão de Deus em que vivemos, há várias coisas que não existem também, mas que as pessoas se apegam como sendo reais; dando assim um pouco de significado às suas vidas, ou tornando esta vida mais suportável e até alegre.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Trabalho, bênção ou maldição?

Há algum tempo confesso que algo tem me incomodado. E a dúvida que insisti em retornar à minha grande massa cefálica, fazendo até meu córtex inflar sem resposta, é se o trabalho seria uma bênção ou uma maldição. Precisamente, não sei definir o porquê desta inquietação, porém perturba-me um pouco quando ouço pessoas dizerem: “graças a Deus estou trabalhando”, “o trabalho dignifica o homem”, et cetera.
Quando consegui o emprego atual, amigos disseram parabenizando-me: “Wilson, que bênção! Que bom que você conseguiu um emprego rápido, felicidades, cara”. É claro que comprazo-me com as sinceras congratulações de cada um deles. No entretanto, insisto — a crise é comigo mesmo (risos).
Ah, tenho comigo que o trabalho não é nada de bênção! Pelo contrário, é maldição. Veja bem que não é qualquer ‘maldiçãozinha’, esta é séria: é uma maldição dirigida ao homem por Deus, devido sua transgressão cometida no Éden. Bom, não entendo ‘patavinas’ de nada da Bíblia, assim mesmo desejo recorrer a ela.
Está escrito no livro do Gênesis cap. 3, 17-19: “...maldita seja a terra por tua causa.Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que volte a terra de que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar.” Veja bem, não foi somente o homem que teve o seu castigo, não! Sobrou para a mulher também. É só dá uma “espiadinha” no versículo 16 do mesmo capítulo 3. Lá relata que a mulher terá dores no parto, e, o pior, terá sempre desejo pelo homem, sendo assim até submisso a ele (risos). Imagino que os movimentos feministas devem odiar este versículo! Quanto ao texto do Gênesis, é bom lembrar que a cultura hebraica era e é uma cultura machista. Bem, a nossa cultura ocidental também, só que de forma velada.
Particularmente, qualquer tipo de preconceito de conotação machista só vem mostrar como o homem tem o cérebro do tamanho de uma noz.
Voltando ao tema do trabalho.
Segundo a Bíblia, como foi Deus que criou o homem e a mulher, certamente conhecia suas predileções pelo ócio, pela vida boa, enfim, pela ‘sombra e água fresca’, como apregoa a gíria popular. Creio que Deus pensou: “pegarei eles pelo ponto mais fraco”. E, bingo...! Hoje, estamos penando para ganhar nosso pãozinho de cada dia. Tudo isso devido à desobediência daqueles curiosos.
O trabalho não é uma bênção. Prova disso é que todos querem fugir do trabalho. Pode até haver aqueles que dizem que gostam de trabalhar. Contudo, ao final, não vê a hora de se aposentarem. Outra coisa sobre aqueles que dizem que trabalho é uma bênção ou dádiva (escolham a palavra mais agradável que preferirem), nunca os vi dizendo: “nossa como o trabalho é algo abençoado, por mim trabalharia até o fim da vida, nem salário gostaria de ter”. E mais, se o trabalho é uma graça divina, jamais vi alguém agarrando as britadeiras que os construtores usam para quebrar as ruas daqui de Campinas dizendo: onde você conseguiu esta ferramenta pesada de serviço, necessito desta bênção de Deus para minha vida.
Permitam-me um parêntese: quanto à dor de parto da mulher, jamais vi alguma que já é mãe dizer: “o mais sublime e gostoso ao dar à luz a um bebê é quando começam as dores de parto. Sinto-me nas nuvens”. Quem já teve a oportunidade de ver um rosto de uma mulher num serviço de parto (ao vivo, num vídeo ou documentário) pode notar que os seus semblantes não são dos melhores. Acrescentando, também há os maridos, movidos pela emoção da paternidade, que decidem presenciar o nascimento do ‘filhão’. Todavia, não suportam ver o rosto distorcido em dores da esposa, desmaiando ele assim de fraquezas, tonturas ou sei lá do que, propriamente...
Voltando. Quero salientar que, com este texto, não quero iniciar um levante contra o trabalho, tentando iniciar um processo de revolução a favor do ócio absoluto (não seria nada mal se isso ocorresse... risos). Assumo que não tem jeito, temos que carregar esta maldição até o fim da vida. É uma lei divina, provinda das Sagradas Escrituras. Há um provérbio latino que diz: lex duralex sed lex (a lei é dura, mas é lei).
Concluindo, o trabalho é, de fato, uma maldição (o fruto dele, não). Vem-me à lembrança dois belíssimos romances do russo F. Dostoiévski chamados Crime e Castigo e Os irmãos Karamazov. Tive a oportunidade de lê-los. E para comprovar esta minha intuição do trabalho como castigo (maldição), nas referidas obras os dois personagens centrais de cada romance (respectivamente Raskolnikov e Dimitri Karamazov) foram condenados a trabalhos forçados na prisão da Sibéria. (ih, revelei o final do romance...)
O trabalho é uma maldição.
Deixando um pouco de lado a visão negativa que escrevi do trabalho, reconheço os frutos positivos que brotam deste fardo, usufruo alguns deles. O trabalho só não pode fazer-nos pender — e isto geralmente acontece devido à sociedade capitalista e consumista em que vivemos — à tentação da alienação. Nota-se que atualmente as pessoas já não se reconhecem mais no mundo em que vivem, confundem-se nele completamente: respirando alienadamente escritórios, lojas, fast-foods, etc... Não procuram buscar o tempo preciso para exercer o ócio produtivo e revitalizador de agradáveis sentimentos e relações humanas.
Aí vai um pequeno poema do falecido gaúcho Mario Quintana. Nele há sua opinião a respeito do trabalho em sua época.

“O ópio

Dizem os comunistas que a religião é o ópio do povo;
Outros dizem que o ópio do povo é precisamente o comunismo; se pedissem a minha opinião, eu diria que o ópio do povo é o trabalho.” (Do livro Caderno H)

Então, ‘trabalhadores do mundo, uni-vos!!!

Paz a todos....!

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A saudade é uma pessoa

Era uma tarde de sábado bem ensolarada. Da cozinha da casa de minha madrinha de batismo, ouço, de forma distraída, uma música religiosa que sua filha Bruna escutava na sala. Bruna é daquelas garotinhas de coração piedosíssimo, sinto-me pagão ao lado dela.
Travávamos conversas, minha madrinha e eu. Enquanto isso, a música penetrava meus ouvidos sem meu consentimento. Francamente, a sua melodia pouco ou nada me agradava, assim como as demais canções daquele disco religioso. Contudo — entre uma conversa, piadas e gargalhadas que brotavam da cozinha — senti-me atraído por uma frase que era dita enquanto a canção seguia instrumentalmente: “a saudade é uma pessoa”, falava uma voz masculina saída daquele aparelho sonoro. Flagrei-me compungido. “A saudade é uma pessoa, a saudade é uma pessoa, a saudade é...” repetia, como um eco, para mim mesmo em meu interior.
De súbito, pularam, como lebres e rãs, inúmeras pessoas que havia conhecido nesta minha curta vida. Emergiram em minhas lembranças em forma de saudades. Estas pessoas estavam vivinhas dentro de mim, sabia que eram reais, contudo não eram mais presentes. Pena!
“A saudade é uma pessoa”!
Há pessoas que amamos que se vão de nossas vidas. Sei lá, o acaso as levam com toda a autoridade que recebeu não sei de quem. De mim não recebeu, jamais permitiria. Há outras que até sabemos por onde perambulam. Em suma, todas vão, mas sem ir. Ficam em algum cantinho de nossa alma guardadinhas, prontas para aparecerem em nossas lembranças, consumindo-nos em lágrimas, às vezes.
Cada saudade tem um nome. Chama-se Maria (minha mãe), foi-se deste mundo devagarzinho, fazendo um tremendo esforço tentando segurar cada filho com as pontas dos dedos, não conseguiu. A morte é belamente mais forte. Chama-se Alexandre (meu irmão), também se foi. Não sei onde depositaram seu corpo, não importa mais, nem ele quer saber. Ele só gostaria de saber, isto é certo, se foi amado pelos seus. Ainda o é.
“A saudade é uma pessoa”. Tem o nome de Rosa, da cidade de Três Pontas MG, uma nobre mãe de família. É uma daquelas criaturas que nos faz dizer a nós mesmos: “só por conhecê-la já valeu a minha passagem neste mundo”. Tem o nome de Flauvinei, este plantou em meu peito a semente da simplicidade. Tem o nome de Juliana, Nicolas, Profª Lourdes, Rômulo, Ricardo, Patrícia... E por aí estende-se a lista.
Quando era garoto, gostava de ir ao Parque da Luz, na capital paulista, só para ver os velhinhos jogarem damas ou xadrez. À chegada da tarde, ficavam repletos os bancos de jogadores da terceira idade. O mais interessante era que os pombos também vinham aos bandos, como que sabiam que os velhinhos trariam muitas pipocas para alimentá-los enquanto esperavam a sua vez de jogar.
Num jogar de pipocas, num revoar de cãs embranquecidas pelo peso do tempo, o olhar de cada ancião se perdia no horizonte. Este lhes apresentava um deitar de sol belíssimo. O olhar daqueles parecia procurar alguém naquele céu meio azul e meio cinzento de fumaças dos automóveis. Aqueles jovens envelhecidos deviam ter tantas pessoas cravadas bem no íntimo de suas lembranças que, penso eu, a dor da saudade tirava suas forças ao jogar uma pedra e outra daqueles tabuleiros de damas e xadrez.
Há um filme estrelado por Tom Hanks chamado À espera de um milagre. Ele traduz bem o que é a dor de uma saudade. O chefe da prisão, Tom Hanks, recebe de um negro condenado à morte um dom: o dom de curar as pessoas e também de viver eternamente. Creio que o prisioneiro negro já não suportava aquele dom, pois viu seus amigos partirem todos, só ele permanecia neste mundo. Ainda mais numa prisão, sabia que não iria morrer na cadeira elétrica: tinha o dom. Enfim, consegue ele passar o dom ao policial chefe (Tom Hanks). Este o recebe. Por fim, tempo passa, parentes e amigos do policial vão-se morrendo, enquanto ele atravessa o tempo vendo-se só acompanhado de um rato (que também havia recebido o dom). Bom, o milagre que o policial esperava era a visita da morte, não havia sentido continuar carregando aquela dor da saudade eterna das pessoas que um dia amara no mundo.
“A saudade é uma pessoa”, é um fato, é um riso, é o primeiro beijo, é uma lágrima, é uma mãe, é uma flor e etc.
Viktor E. Frankl (médico e psiquiatra austríaco do século passado) em seu livro Em busca de sentido afirma que tudo que um dia vivemos será sempre real, permanecendo eternamente guardado em nosso subconsciente, é sempre presente, conclui. Schopenhauer, em suas obras Metafísica da Vida e Metafísica da morte, é enfático ao dizer que o tempo pode envelhecer tudo, menos as nossas lembranças. Ele exemplifica pedindo para que lembremos de algum fato ou brincadeira de nossa infância. Quando o fazemos, notamos que as imagens que recordamos estão lá do mesmo jeitinho, os rostos radiantes das crianças que brincávamos juntas, o rosto de nossas mães pedindo que viéssemos para casa, e tudo o mais. O tempo envelheceu a todos, menos nossas lembranças.
“A saudade é uma pessoa”. Cada recordação de pessoas que amei neste mundo está fincada em minh’alma como um forte cipreste de noite natalina. Cada uma delas é uma estrela singular, que, ao brilhar dentro de mim, faz-me verter lágrimas de saudades, às vezes.
Concluo com um poema do grande mestre e místico M.Tagore. (1861-1941)

Poema de despedida

É hora de partir meus irmãos, minhas irmãs.
Eu já devolvi as chaves da minha porta.
E desisto de qualquer direito à minha casa.
Fomos vizinhos durante muito tempo,
E recebi mais do que pude dar.
Agora, vai raiando o dia,
E a lâmpada que ilumina o meu canto escuro
Apagou-se.
Veio a intimação e estou pronto para a minha jornada.
Não indaguem sobre o que levo comigo.
Sigo de mãos vazias e o coração confiante.

Dica de livro aos amantes de poesia: Oferenda poética, M. Tagore