segunda-feira, 22 de março de 2010

Na minha terra, no meu jardim e uma única flor

Amo a vida que recebi, não é perfeita nem imperfeita: é exatamente a vida da qual eu consigo sonhar, sorrir, chorar e amar. Ela é o meu alforje onde carrego as pedrinhas do meu sentimentos, de forma carinhosa. A morte? Aprendi a respeitá-la, pois sei que “ela é séria” (como diz Machado de Assis em Dom Casmurro), por isso ela merece toda a minha seriedade e meu respeito.
Entretanto, algo me incomoda: os cemitérios das cidades.
Não gosto dos cemitérios hodiernos, causam-me calafrios. Não são quentes — aconchegantes, menos ainda.
Caminho pelas ruas das cidades e os cemitérios que vejo são tão sem vida (isto mesmo que você leu, sem vida e cheios de coroas de rosas secas e fedidas) que fazem-me entristecer. Desconfio que eles refletem um pouco a sociedade anêmica de sentimentos e afetividade da qual também eu sou parte.
Atualmente, a maioria das pessoas acha uma desonra não serem sepultadas em túmulos grandes, com acabamentos de concreto bem firme, bonito e à prova de larvas. Só de imaginar, estremece-me a alma quando penso que meu corpo um dia será sepultado num destes túmulos grandes, frios e cheios de concreto.
Livra-me, Deus, desta sorte!
Eu desejo mesmo é ter contato com a terra, quando morto. Fui um garoto que cresci com os pés nos chãos nas ruas barrentas da capital de São Paulo, onde o futebol era jogado de pés descalços no campo com os outros moleques — depois voltávamos todos sujos de terra para casa. Óbvio que aquela sujeira toda nos rendia alguns tapas e puxões de orelhas. Porém, estes não nos furtavam o prazer experimentado nos campos e nas ruas.
Aprecio os livros, entre eles a Bíblia. Livro do qual tenho veneração e respeito: um baú cultural religioso, poético, político, romântico, entre outros predicados.
Leio no livro dos Gênesis 2,7:
“O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente”.
Segundo este livro sagrado, fui criado do barro da terra.
Recordo-me da sepultura de minha mãe. E de todos parentes e amigos absortos pela emoção da ‘partida’ dela. Com o rosto áspero e pensativo, acompanho o cortejo funerário. Os sons de soluços de choros e burburinhos emotivos invadem minha audição: indiferente, apenas ouço. Após caminharmos uma certa distância, chegamos, enfim, à cova; o caixão é descido vagarosamente ao fundo do buraco, algumas tias (irmãs dela) berram inconformadas. Eu só observo, eu e meu sobrinho apegado na minha mão direita. Os rapazes coveiros iniciam a jogar pás de terra sobre o caixão, algumas flores arremessadas por alguns presentes caem simultaneamente, entrelaçando-se com a terra. Repentinamente, um de meus tios grita aos rapazes das pás que eles tinham que ter mais respeito, não deveriam jogar tanta terra daquele jeito. Observo, taciturno. Não compreendia aquele surto do meu tio. Sei lá, acho que aquele monte de terra jogado no caixão de minha mãe foi despertando um certo medo mudo em meu tio. Talvez o medo de saber que na realidade um dia estará lá, recebendo punhados de terras em pás também.
Desejo voltar à terra quando ‘partir’. Não almejo ficar trancafiado em paredes de concretos sabendo que jamais farei parte, através da inevitável decomposição, do solo sagrado onde vivi. Assim como gosto dos cantos dos melros em suas visitas no pé de acerolas no meu quintal a cada manhã, respeitarei — do mesmo modo — as larvas quando me visitarem em minha solidão sepulcral. Quero me perder no seio da mãe terra, nego-me rejeitá-la; pois dela fui gerado. Odeio os jazigos frios de concreto — amo a terra. Vivo ou morto sempre a amarei e respeitarei o seu encanto. Todos nós temos um pacto misterioso com ela.
Vêm-me à lembrança, no momento, dois belos filmes que assisti: As Pontes de Madison (Clint Eastwood e Meryl Streep) e Diamantes de Sangue (Leonardo DiCaprio e Jennifer Connelly). Em Pontes de Maddison, a mulher (Merill Streep) pede para os filhos que, quando morrer, seu corpo seja cremado e as cinzas atiradas na ponte onde ela havia conhecido o seu único e verdadeiro amor — desejo realizado. No filme Diamantes de Sangue, despertou-me a atenção quando a personagem (de Leonardo DiCaprio) estava prestes a morrer numa montanha após ser baleado por um disparo. Nos seus últimos suspiros, ele, carinhosamente, pega um punhado de terra na mão, levanta-o levemente e deixa-o cair na forma de uma pequena cachoeira. Sorria ele feliz por estar “partindo” em contato com a terra e solo do país em que nascera e amara: o Zimbábue.
Fogo, terra, ar ou água, anseio misturar-me nestes elementos da natureza em minha partida. È, no entanto, triste vir a falecer por causa de um desastre natural de um deles, são fatalidades não desejáveis. Contudo, acho sagrado e poético ir ao encontro deles depois que nos cessam todos os batimentos cardíacos e os sinais vitais. Há pessoas que se espantam com outras culturas, quando estas, em seus funerais, incineram seus entes queridos e depois depositam suas cinzas em jardins de suas residências ou sei lá em que local. Porém não se indignam ao presenciar sepultamentos em jazigos frios de concreto. Sendo que, numa simples cova, a funerária constrói infinitas gavetas (jazigos) minúsculas e apertadas: quanto mais cadáveres numa cova, mais lucro para agência funerária.
O livro O Pequeno Príncipe é um opúsculo especial escrito por Saint-Exupéry. Esta obra encanta gerações desde que foi publicada pela 1ª vez em 1943. No livro, é relatado que o garoto-príncipe vive em seu Asteróide B612 e que neste pequeno asteróide havia uma única “florzinha” da qual amava muito, e sofria só de pensar que algo de mal podesse acontecer com ela. Bom, o restante da obra creio que já sabemos. E, se ainda não leu, tá aí a dica...
Talvez o que muita gente não saiba é que o autor do livro era um aviador e que o asteroidezinho B612 representava a cidadezinha onde morou. E quando, a serviço, viajava de avião, ficava preocupado com sua esposa que amava tanto e que deixara sozinha. A esposa era a “florzinha” de quem ele muito fala no livro.

“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isto basta para fazê-lo feliz quando as contempla. Ele pensa: ‘Minha flor deve estar lá, em algum lugar...’”.

O que é certo e triste foi o fim que o autor do livro teve, sendo o seu avião abatido por um soldado alemão — jamais alguém soube onde caiu o avião e nem acharam o seu corpo.
Anelo pelo barro da terra. Numa sepultura de concreto não conseguiria sequer plantar uma flor. Do mesmo modo que muitos corações frios e sepultados de muitas pessoas de hoje não conseguem cultivar uma única pétala de esperança, poesia e alegria em suas vidas.
Quero descansar na terra, e que minha única “florzinha” do meu asteróide seja todas as pessoas que conheci e amei nesta minha vida.

“Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden... e colocou nele o homem que havia criado”. Gênesis 2,8

Eu, meu jardim e minha única flor... na terra, por favor!!!

Flores únicas a todos... bye!



Um comentário:

  1. "Do pó vieste, ao pó retornarás", não é assim? A morte ainda é um assunto complicado, muitos fogem, evitam encarar a maior das certezas que nós podemos ter na vida! Nascemos para morrer (e quem sabe, morremos pra nascer outra vez)

    Sua reflexão foi profunda, fez pensar!

    Abraços,
    Jr.

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